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Texto Publicado no blog da Revista Plural |
Um pensamento passou pela minha mente no momento em que pus
os olhos naquela pessoa solitária no fundo do ônibus. Sentada de cabeça baixa,
de óculos e vestido florido ela lia um livro, quase devorava. E minha tara de
leitor só imaginava ter um pescoço elástico para ver o amigo lido.
Lembro quando ainda criança um amigo de minha mãe nos
visitava pelo menos uma vez a cada seis meses, para falar da vida, do trabalho,
dos filhos e alguma coisa sobre livros. Minha mãe sempre fora uma ávida leitora.
E à hora mais emocionante, depois de tê-lo conhecido pela
primeira vez, era a sua partida. Não porque quisesse vê-lo ir embora o mais
rápido possível, mas pelo motivo do qual convidava a mim e meu irmão para irmos
ver um tesouro escondido. Ele provavelmente trabalhava como editor, pois ao
chegarmos ao seu carro e ao abrir o porta-malas existia lá dentro uma
quantidade imensa de livros.
Naquela época para quem ainda mal sabia ler, e se empolgava
mais com todo aquele ouro dado e os desenhos divertidos das histórias que soltavam
a imaginação. A leitura sempre feita por minha mãe nos levava a um estado
catatônico. E dormíamos leves, voando entre sonhos de aventuras.
Por vezes uma vaga lembrança daquele homem passa pela minha
memória. A feição de seu sorriso ao entregar-me a chave de um mundo sem volta.
Um vírus perigoso, quando tocado eleva o espírito.
E muitas vezes penso no insustentável livro. O livro
intocado. O livro ainda não lido de memórias míticas, de algum segredo guardado
nas páginas amareladas pelo ato do tempo.
Os personagens não vividos continuam fechados ali entre
frases, versos do próprio umbigo. O livro e seu par. O encontro de seu leitor
inimigo. O leitor à procura da frase perfeita. A narrativa à espera de ser o
livro.
Ainda sonho com esse amigo de real beleza, abstrata,
impressa e manuseada. O desejo de ter uma vida eterna como um Drácula maldito a
ler todos os clássicos e contemporâneos ainda não lidos.
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