sexta-feira, janeiro 04, 2013

Poema Sujo por Ferreira Gullar


Nas palavras de Ferreira Gullar sobre a véspera do dia em que iria escrever o seu famoso poema: 'POEMA SUJO':

"Não tinha título, não existia, não tinha nada. Então só no dia seguinte quando eu me sentei a máquina para escrevê-lo, ou seja, para vomita-lo, e vi que não podia que me deu uma profunda decepção... eu, né?!...você meio dormindo, meio sonhando, você imagina coisas maravilhosas, ai quando entra na realidade... a realidade é a realidade, né?! Daquele pirado que vivia inventando coisas e o psicanalista falava: 'Cara para com isso aí, não é real!' Aí o outro falava: 'Ah se não fosse a realidade!...' Mas tudo bem, a realidade existe, aí quando você sai, vou sentar, vou vomitar e não vomita. A realidade não permite. Não é isto, não é?!... Não estou querendo bancar o esquisito...Sinceramente, eu quando comecei a fazer o poema assim, quero dizer,quando eu vi que não podia vomitar, eu comecei... Eu entrei num barato... Vou entrando nesse estado, Aí o poema levanta voo, né?... Mas não estou sabendo que nome ia ter, mas em seguida quando escrevi as cinco paginas eu imaginei: "Bom o nome desse poema vai ser Poema Sujo!" Ai eu sabia que ele iria ter umas 70, 80 paginas por ai...Eu sabia. Como eu sabia?! Eu não sei! a ideia de sujo não está envolvida com esse negócio do vomito não, É mais um descompromisso a priori com o poético, estético qualquer... Ali eu estou disposto ao deslimite sem contemplação com nada. E ao mesmo tempo pode ser imoral, obsceno pode ser o que ele for. Eu não farei bonitinho. Também pela situação em que eu estava, a situação estava preta. A miséria brasileira, naquela época em que se vivia todo aquele problema da América Latina, das Ditaduras, da violência, tortura é uma sujeira da vida. Esse poema nasceu disso, dum medo do que podia me acontecer ali. Num mundo, num continente que estava acontecendo toda hora. Não cabia um poema limpo. A matéria da poesia, não surge, é tudo! É tudo, é tudo! Da beleza e da mesguinha azul da nuvem que eu vejo no horizonte, até a coisa mais abjeta que tudo é matéria da poesia, não pra esfregar a abjeção na cara dos outros, mas para transfigurá-la, pra mudá-la. Porque é parte da vida."

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