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Bartleby e cia. de Enrique Vila-Matas. |
Quem tenta fazer, viver, respirar/transpirar literatura vive numa eterna contradição. 'Que contradição seria essa?!', alguns mortais tenderiam a perguntar. Mas simplesmente poderia reafirmar que um artesão só se faz a partir de muita transpiração, lapidação, polimento e alimento. De modo que o material bruto venha a ser forma, e vida numa drenagem a qual se busca dar significância a lama interior da concretude material do ser, o homem.
Há alguns dias ou semanas li em um blog um fragmento do romance Sexus do escritor norte-americano, Henry Miller, o qual na determinada citação sobre o fazer literário diz e grifo:
"Uma criança não tem nenhuma necessidade de escrever, é inocente. Um homem escreve para destilar o veneno que acumulou devido à sua maneira falsa de vida. Está tentando recapturar sua inocência e no entanto tudo o que consegue fazer (escrevendo) é inocular no mundo o vírus de sua desilusão. Homem nenhum colocaria uma palavra no papel se tivesse a coragem de viver aquilo em que acredita. Sua inspiração é desvidada na fonte. Se é um mundo de verdade, beleza, e mágica que deseja criar, por que não põe milhões de palavras entre si a realidade daquele mundo? Por que retarda a ação – a não ser que, como outros homens, o que realmente deseja seja o poder, a fama, o sucesso?”
Confesso um certo espanto diante de tal citação, pelo simples fato de vir de um "escritor conhecido", e que apesar de gostar do ideal bartlebiano e sua oração: "Preferiria não o fazer!", não se assemelharia em momento algum com tal fragmento. Pois, os quais têm o intuito de negar uma ação da escrita, levantando questões sobre a "impossibilidade artística". Levaria-nos concluir que o fato de escrever/refletir (não-escrever) sobre a impossibilidade, torna em si mesma a própria criação, contradizendo toda a teoria aparentemente superficial da Cia..
Diante de tais rápidos esclarecimentos, entrego minha perspectiva sobre um equivoco do grande escritor, sobre o papel da escrita e de sua negação. Pois ao afirmar categoricamente a inutilidade e superficialidade da "arte impresso-narrativa", ele pode até ter num simples ato vil, vomitado palavras-pensamentos diante da vida que começara a viver em sua época (saída do anonimato ao sucesso), buscando ir de encontro a uma 'porta trancada a sete chaves' ou quem sabe um conforto diante de tanta exposição e falsidade. O sucesso e o poder não só podem mudar quem os têm, como também os sonhadores-escritores.
E o resultado de toda essa explanação reforça somente meu contra-argumento de que, mesmo no fundo de si (não consciente), há aqueles em que realmente desejam só a fama, sucesso e poder. Mas acredito que seja complicado falar de algo que se constrói como numa especie de Utopia, de quem escreve pra alguém ou pra si mesmo decidindo transformar 'a realidade' em palavras concretas. De modo que a ação, chamada por Henry de retardatária, seja simplesmente devaneios de um lúcido em meio a um mundo de "carentes de loucura". Em outras palavras: depois da palavra impressa e lida, não há como apagá-la.
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