segunda-feira, setembro 12, 2011

Literatura: um instrumento de investigação, por Antônio Xerxenesky

03 de Maio de 2008. Foto de Bruno Pires/Notícias de Sábado.




Muitos contistas afirmam que a narrativa breve não é mais fácil de escrever do que o romance. Eles apontam todas as dificuldades de alcançar a concisão necessária para que o conto tenha um impacto no leitor. Eles estão certos. Todavia, muitas vezes os autores – especialmente os jovens – escrevem contos porque não tem fôlego para uma narrativa mais longa. Sei disso porque já fui um desses autores.

Poucos leitores meus sabem, mas meu primeiro livro não foi o romance Areia nos dentes, e sim uma coletânea de contos brevíssimos chamada Entre (que um dia há de figurar no cânone de piores títulos da literatura). Reunindo histórias que escrevi na adolescência, o livro foi publicado em 2006, com financiamento da prefeitura de Porto Alegre e, por sorte, foi bastante ignorado pela crítica e pelo público (eu não saberia lidar, na época, com opiniões sinceras sobre o livro). Ele é um exemplo ótimo dos riscos de se publicar jovem demais: o autor pega os melhores textos que conseguiu produzir e junta em documento de Word, sem se preocupar com o fato de que aqueles contos não formam uma unidade temática ou estética. Chama aquilo de livro e o lança no mundo. Foi o que fiz, e é o que muita gente faz até hoje.

Mas pulemos para 2009. Apenas três anos se passaram e muita coisa mudou. Eu tinha publicado um romance pela minha própria editora e o livro encontrou seu público e agradou um punhado de leitores. O passo mais lógico seria escrever mais um romance – é isso que os outros esperam de mim, eu pensava. Mas, um dia, depois de muito ler Bolaño para meu trabalho de conclusão de curso, escrevi um pequeno continho inspirado em Una aventura literaria, do autor chileno. Gostei do texto, gostei da sensação. Então, escrevi outro conto nessa linha, um pouco mais cômico, um pouco menos “inspirado em outro escritor”. E outro. Diabos. Estou escrevendo contos, mais uma vez. Bolo um plano: lançar um livro fininho com poucos contos pela minha editora. Uma edição linda, com diferentes tipos de papel. Tiragem pequena. Algo para mandar de presente para os amigos. Chamo minha amiga Ieve Holthausen para criar um projeto gráfico matador. E continuo escrevendo contos, todos girando em torno de literatura.

Certo dia quente de outono, recebo um telefonema da Rocco. Gostaram do romance Areia nos dentes, querem conhecer o que estou produzindo no momento. Encurtando a história, assino um contrato com eles para um livro de contos. E, de repente, aquela brincadeira virou coisa séria. Olho aquele amontoado de contos e penso: “de novo não”. Repetir os erros do passado, nem pensar. Chegou a hora de escrever um livro de contos respeitando o gênero – seus limites, suas vantagens, ou melhor, suas especificidades. Nada de falta de fôlego: desenvolver um fôlego específico para aquele tipo de corrida.

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Há quem diga que o formato “disco” está morto. As pessoas, em plena época do mp3, estão interessadas em músicas soltas. E, ainda assim, minhas maiores experiências musicais foram com discos nos quais cada música parece complementar a outra. Um álbum que, no final da audição, parece ser maior do que a soma de suas partes. É assim com o Loveless, do My Bloody Valentine, e com o Ys, da cantora Joanna Newsom. Esse deve ser o objetivo de um livro de contos, pensei.

Mas eu estava escrevendo sobre literatura e a última coisa que o mundo precisa é de mais livros que falam sobre livros. Foi nesse momento que comecei a redação do conto Algum lugar no tempo. Ao contrário dos outros textos, irônicos e ambíguos, este era um relato bastante autobiográfico que falava de minha infância ao lado de meu irmão. Meu irmão Pedro não é um grande leitor. Pelo contrário, detesta literatura, e pode contar nos dedos o número de romances que leu até o fim. A partir deste momento percebi que não podia escrever mais um livro metaliterário que interessasse apenas a outros escritores, críticos e leitores experientes. Passei a ter um norte: escreveria um livro que usasse a literatura para chegar aos seres humanos. Se, em meu romance Areia nos dentes, criei um cenário de faroeste e terror para discutir as funções e limitações das narrativas, neste novo livro, percorreria o caminho inverso: apresentaria como tema a literatura para investigar a vida dos leitores, e, por consequência, a vida das pessoas.

Não sei como é com os outros escritores, mas comigo, quando consigo definir um “projeto” por trás do que escrevo, tudo fica mais fácil e as peças do quebra-cabeça começam a se ordenar seguindo uma ordem coerente. Agora, meu livro está pronto, nas livrarias. Não faço ideia de como será a recepção dos leitores e da crítica. Sei apenas de uma coisa: não escrevi um livro de contos por falta de um fôlego maior. Escrevi porque aquele era o formato ideal para as coisas que queria dizer. Desenvolvi o fôlego específico. E, assim, acertei as contas com o passado.

O livro:
A página assombrada por fantasmas - Editora Rocco
Páginas 128
Preço R$ 23,50

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