quarta-feira, agosto 01, 2007

Ele implicava com leiloeiros, apreciava mais os falsários

Pega o martelo, olha a platéia de cima, busca um braço esticado ou qualquer outro gesto e bate. Em suma, era assim que via o seu próprio trabalho. Fazia por herança e porque nada mais sabia. Seu avô foi perfeito, seu pai manteve o padrão. Ele, não. Ele apenas parecia o que nunca quis ser. Ninguém desconfiava. Nem os senhores distintos, muito menos as senhoras com hálito de vinho em taça de plástico. Só ele sabia o nada que era.
Certa vez, leiloou um Basquiat. Um pequeno desenho. Teceu uma longa explanação sobre o sentido da obra, impressionou, vendeu. Odiava Basquiat e aqueles desenhinhos primários. Odiava ainda mais Pollock. Quebrava porcelanas, vasos raros, tocava fogo em manuscritos, enfiava a faca em telas, cortava a cabeça de esculturas. Tudo em silêncio, na sua imaginação, sem deixar rastros.
Era extremamente preparado. Dedicou-se com afinco à arte de decorar. Decorou verbetes, textos, nomes, tintas, estilos, correlações entres artistas, períodos. Era sábio e era nada. Sem disfarces, era patétic. Nem o tempo gasto em discursos imaginários, nem o preparo do gesto perfeito, nada o salvava da mediocridade que sentia ao se olhar no espelho.
Ele odiava o que fazia. Ele implicava com leiloeiros, apreciava mais os falsários. E se sentia um misto dos dois, o que aumentava a sua angústia. Sentia-se mal em desempenhar aquele papel que não escolheu. Pudesse ele, teria nascido pintor. Dos bons, mas incapaz de desenvolver um estilo. Viria ao mundo com a missão de falsificar pequenas obras (as grandes chamam atenção demais). Queria ser sorrateiro e passar pra frente a sua arte do nada. Só pra ver o leiloeiro vender aquilo que não era. E alguém comprar o que imaginava ser. Como ele fazia todos os dias consigo mesmo. Sonhava ser outro pra ser ele mesmo sem dilemas, sem questões. Assumidamente involuído.
by:ANDRÉ K.

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