sexta-feira, dezembro 05, 2014

Marujo de Wagner Bezerra Pontes (Publicado no Quotidianos)

Olá seguidores eis mais um conto de Wagner Bezerra (MARUJO) publicado a convite de Carolina Mancini - Ilustrações no site Quotidianos com a incrível arte de Alexandre Carvalho, vale muito a pena conferir! LINK DO TEXTO no site QUOTIDIANOS:http://quotidianos.com.br/2014/10/04/marujo/


Um marujo, o mar, as ondas. Um olhar numa canção. As cordas ressecadas pelo conhaque-mar. O rajar dos ventos a rebater nas velas. O chiar das espumas batucavam no casco do barco. A saliva amarga da embriaguez. Embriaguez que o fizera sonhar com aquela que de tantas vezes falou. Sob o horizonte que sempre teimara no seu saudosismo afetado. A névoa negra subira a bordo, e desde sua partida do cais queimara em nostalgia tentando acompanhar o vazio daquele homem fatigado por vagar.

Falar sussurrar inspirar expirar. Absurdo meus olhos agora me parecerem tão pesados, minhas pálpebras imploraram por tantos anos. Vinte?… Quarenta?… Não! São mais do que sessenta remadas num céu turbulento sob este mar. A minha alma já não tem mais tanta leveza. E ainda dizem que ela pesa vinte e uma grandezas sem cor depois que a matéria corpórea para de funcionar.

A juventude me deixara como num sopro de um beijo morno vindo da terra para resfriar a solidão das ferozes léguas. Mas a noite… Ah, doce noite!! Foi dela que enxerguei a mais bela das sinfonias-cerejeiras.

Um estrangeiro marcado pela lambida do sol e a carícia de um ar solitário amargurado de paixão embevecida, como eu, velho que sou nesta terra sem chão, grão que não se sustenta e se afoga no fundo desse céu travestido de chumbo.

E só agora percebo o selvagem que sou. Um selvagem sem selva, selvagem sem fera. Selvagem no mar. E me consumo a cada toque manchado pelo piano desafinado de teu corpo, de teus dedos que buscaram o êxtase de serem somente teus. Por vezes eles ressoam dentro de mim como, quando a morte chega sussurrando uma cantiga de ninar, e é só aí que realmente nos damos conta do tempo.

Ah, o tempo! O tempo que se arrasta calado e traiçoeiro sentindo o bafo do chão a nos puxar a alma e o corpo em peso. Enquanto abastados e sedentos nossos corações tentam se fincar como raízes no quintal de uma terra abandonada. Vingados a libertar o tom menor que nunca cessa dentro de nós.

Selvagens voltaremos a ser. Selvagens nos tornamos à medida que ficamos sós. Gritando diante do mundo à beira do abismo uma canção desafinada. Procuro pelo meu selvagem inimigo, mas o descubro escondido dentro de mim.

O futuro desponta daquele horizonte, queimando leve minhas retinas cheias de ressaca. E meu barco velho range sob as ondas numa sinfonia delirante. Quem me dera ter as respostas guardadas daqueles teus versos amantes.

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